O menino tímido, que escondia as queimaduras no couro cabeludo, agora é o atleta que brilhou desinibido pela segunda vez no maior palco do esporte mundial – e com os cabelos tingidos de roxo, para combinar com a cor da pista do Stade de France nos Jogos de Paris-2024.
Aos 24 anos e em sua segunda participação em Olimpíadas, Alison dos Santos, o Piu, conquistou a medalha de bronze nos 400m com barreiras na capital francesa, aumentando a coleção de conquistas relevantes, que já contava com a medalha de bronze de Tóquio-2020 e ouro no Mundial de Eugene-2022. Foi a 21ª medalha na história olímpica do atletismo brasileiro.
O norte-americano Rai Benjamin ficou com a medalha de ouro e Karsten Warholm, da Noruega, com a prata.
Alison – que virou Piu no atletismo, mas é Teco para a família – começou no atletismo em um projeto social do Instituto Edson Luciano Ribeiro, em São Joaquim da Barra, interior de São Paulo, descoberto pela técnica Ana Cláudia Fidélis. Demorou quatro meses para ir, incentivado por um amigo que já treinava.
A demora se justificava pela timidez de Alison. Com apenas 10 meses de vida, foi vítima de um acidente doméstico – engatinhou até o fogão, onde tinha uma panela de óleo quente, que caiu sobre ele. O acidente causou queimaduras de terceiro grau na cabeça e em parte da testa, no braço e nas costas. Por isso, passou a usar boné, como forma de esconder as cicatrizes.
Incentivado pelo amigo, Alison, que já fazia judô, foi para a pista. Tinha 14 anos, media 1,85m – adulto, chegou aos atuais 2m. Sua primeira competição foi o Brasileiro Sub-16, no qual correu com uma touca amarela, emprestada por um colega. Conquistou uma medalha nos 300m com barreiras, e tudo mudou.
Piu passou a frequentar o pódio em competições estaduais e nacionais. Em 2017, integrou a seleção brasileira em sua primeira grande competição, o Mundial Sub-18 de Nairóbi, no Quênia. Foi campeão do revezamento 4x400m misto. No fim do mesmo ano, deixou São Joaquim da Barra para morar em São Paulo e treinar com Felipe de Siqueira no Pinheiros.
Em 2018, Alison correu os 400 metros com barreiras pela primeira vez abaixo dos 50 segundos, quando foi bronze no Mundial Sub-20 de Tampere, na Finlândia, com 49.78. Sua ascensão continuou em 2019, quando bateu sete vezes o recorde brasileiro e sul-americano sub-20. Líder do ranking mundial da categoria, venceu os Jogos Pan-Americanos de Lima e foi finalista do Mundial adulto de Doha – foi 7º colocado, com 48.28, índice para a Olimpíada de Tóquio.
Depois da pandemia de 2020, quando não competiu, Alison fez em 2021 sua primeira temporada como adulto. Foi uma sequência de resultados impressionante: quebrou seis vezes o recorde sul-americano, correu oito vezes a prova abaixo dos 48 segundos – uma delas, justamente a que garantiu a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Tóquio, com 46.72.
Em 2022, a evolução continuou. Era ano de Mundial, e o barreirista e seu técnico fizeram uma excelente preparação. Alison não competiu na temporada em pista coberta e chegou invicto ao Mundial de Eugene. Na final, marcou 46.29, novo recorde sul-americano. Terminou a temporada também com o título da Liga Diamante, o principal circuito de provas do atletismo – ele venceu os 400 metros com barreiras nas sete etapas realizadas.
A temporada de 2023 foi prejudicada por uma lesão sofrida em fevereiro. Alison treinava em São Paulo e, durante um alongamento, sentiu o joelho direito. Confirmada a lesão e a necessidade de procedimento cirúrgico fez uma artroscopia. Voltou a competir em julho, em duas etapas da Liga Diamante. Mas chegou ao Mundial de Budapeste sem ritmo de competição, e terminou em 5º, com 48.10.
Qualificado para a Olimpíada de Paris-2024, Piu se mudou para os Estados Unidos, junto com seu treinador. Toda a preparação foi realizada em sua nova base, Clermont, na Flórida, onde treina no National Training Center.
Depois de uma temporada frustrante, Alison conquistou boas marcas e muitas vitórias em 2024. Ele venceu cinco das seis etapas da Diamond League e lidera a disputa do circuito, que será decidido nos dias 13 e 14 de setembro, em Bruxelas, na Bélgica. Entrou nos Jogos de Paris credenciado pela segunda melhor marca do mundo da temporada, com o resultado de 46.63 conquistado na etapa de Oslo da Diamond League, em 30 de maio.
*Com Confederação Brasileira de Atletismo